Maria Luiza da Silva, ex-cabo da Aeronáutica que foi a primeira militar a mudar de sexo e ser reintegrada nas Forças Armadas.
02/06/2020
O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, negou recurso da União e manteve decisão que garantiu a Maria Luiza da Silva, a primeira transexual das Forças Armadas, o direito de se aposentar no cargo de subtenente. A ex-militar luta há mais 14 anos na Justiça para receber soldo integral relativo ao último posto da carreira no quadro de praças. “É legítimo que a agravada (Maria Luiza) receba a aposentadoria integral no posto de subtenente, pois lhe foi tirado o direito de progredir na carreira devido a um ato administrativo ilegal, nulo, baseado em irrefutável discriminação. Não há dúvida, assim, de que a agravante foi prejudicada em sua vida profissional por causa da transexualidade”, afirmou o ministro na decisão.
Para o ministro, Maria Luiza preencheu os requisitos para chegar ao posto de subtenente e, com relação àqueles que não foram observados, ficou demonstrado no curso do processo que isso só ocorreu por causa do ato ilegal de reforma da ex-militar. O despacho foi publicado na última terça, 26.
Em fevereiro, Herman Benjamin concedeu liminar determinando que Maria Luiza permanecesse em imóvel funcional da Aeronáutica em Brasília até que o recurso sobre sobre aposentadoria fosse analisado pelo STJ. No despacho, o ministro determinou ainda que Maria Luiza fosse reembolsada em R$ 2.127,78, valor pago como multa por suposta ocupação irregular.
Maria Luiza foi reformada após se submeter a cirurgia de mudança de sexo, tendo a Aeronáutica a considerado incapaz para o serviço militar com base na lei 6880/80, que estabelece como hipótese de incapacidade definitiva para os integrantes das Forças Armadas: ‘acidente ou doença, moléstia ou enfermidade sem relação de causa e efeito com o serviço militar’.
Ao analisar apelação da ex-militar, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que Maria Luiza não poderia ‘ser prejudicada em seu direito às promoções que eventualmente teria direito’, tendo em vista que o ato que a conduziu à reserva foi declarado como nulo.
A corte destacou ainda que a orientação sexual não pode ser considerada incapacidade definitiva, nem acidente ou enfermidade, ‘sob pena de ofender o direito constitucional à Saúde, o princípio da não discriminação e a própria a dignidade humana, num dos seus desdobramentos mais sensíveis: o respeito à capacidade dos transexuais de autodeterminarem a sexualidade’.
A Aeronáutica acabou reimplantando a aposentadoria de Maria Luiza, mas como cabo e alegou que as promoções não dependeriam exclusivamente do critério de antiguidade.
Luta de mais de 14 anos
Ao analisar o recurso da União contra a decisão do TRF-1, Herman Benjamin considerou que o acórdão daquela corte seguiu o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, após a anulação do processo administrativo, estariam asseguradas à Maria Luiza as promoções, o soldo integral, bem como o direito à moradia, consequência natural decorrente da anulação do processo administrativo.
O ministro destacou ainda que a determinação de reimplantação da aposentadoria integral não se refere ao posto de cabo, ‘a que a ex-militar ocupava antes de ser injustamente afastada’, tendo direito a se aposentar como subtenente, com 35 anos de serviço. O relator também indicou que Maria Luiza esperou por anos que fosse reimplantada sua aposentadoria, mesma aquela referente ao posto de cabo e nesse ponto citou documentário produzido sobre a vida da ex-militar.
“O presente caso está tratado inclusive no documentário (longa-metragem) “Maria Luiza”, no qual é relatado todo o drama vivido pela agravada — que se tornou a primeira transexual das Forças Armadas do Brasil — e desnudada a postura absolutamente discriminatória que enfrentou. A película corre o mundo fazendo sucesso de crítica”.
Destacando a ‘flagrante necessidade de se concluir a demanda de Maria Luiza, que já dura 14 anos’, e lembrando que foi tirada da ex-militar a oportunidade de progredir em sua carreira, o ministro pontou que a União tem o ‘dever jurídico de implementar todas as promoções por antiguidade eventualmente cabíveis’ entre a publicação do ato de reforma e a data em que a parte agravada completou 54 anos.
Comments